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Texto do diretor de O Sebo Cultural sobre Conferências de Cultura

16/08/2013                                            

                                                    Conferências de Cultura
                                                       A democracia vigiada


                                                                                                                                            Heriberto Coelho de Almeida 1

 

As Conferências propostas pelo Ministério da Cultura e tocadas pelos governos municipais e estaduais, que acontecem em praticamente todos os cantos do país, representam um expressivo avanço na democratização da Cultura. Todas as propostas discutidas estão alinhadas com metas do Plano Nacional de Cultura.  Essas diretrizes Constituíram os “eixos e sub-eixos temáticos”, onde essas propostas originadas das Conferências Municipais e Estaduais estão sendo agrupadas.

Verifiquei no Regimento Interno que também pode haver espaço para as questões localizadas, aquelas que, quando aprovadas, por motivos de diversas matizes, quase sempre não são postas em prática pelos governos locais. Apesar do esforço, dedicação e eficácia de muitos servidores públicos na organização das conferências, houve, em muitas que tive conhecimento, um claro esvaziamento de conteúdo.

Sem capacitação, muitos dos participantes das conferências ficam meio “perdidos na confusão”. Há quem vá para a Conferência com o único objetivo de ter uma oportunidade de mostrar o “pires na mão” ao Gestor. Ouvi relatos de casos em que a quantidade de pessoas contratadas para animar a Conferência foi maior que o total de participantes inscritos. Em muitas conferências o número de inscritos superou a quantidade de pessoas efetivamente participando das discussões. Isso sem contar com a máxima que “se trabalhar em cargo público-comissionado, tem que defender a gestão mesmo sabendo que tá errado…“2.  Na verdade, infelizmente, temos visto pouca gente boa e preparada para reivindicar avanços reais.

Apesar de não ter visto nenhuma motivação para se discutir “descentralização” sob o prisma da efetiva participação da população em decisões e administração de recursos, torço para que essa democracia vigiada avance.

 O problema é que percebi no Regimento das Conferências, mais especificamente na discussão do eixo Cidadania e Direitos Culturais, a omissão de não se apontar para um direito fundamental do cidadão: O de participar nas decisões das políticas culturais que lhes envolvam.

Sabemos que foi proclamado no Artº 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, desde 1948, que toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural. Não é apenas o “direito à livre criação, livre fruição, livre difusão”, mas, principalmente, o direito à livre participação em decisões públicas.

Na prática, o que se vê na grande maioria das gestões municipais de todo o Brasil, são práticas centralizadoras e iluministas que tratam a população como paciente que tem que consumir o que foi prescrito, de cima para baixo, pelo gestor de plantão. O poder executivo continua priorizando a função de produtor cultural que direciona volumosos recursos para a realização de festas públicas centralizadas, garantindo o espetáculo. Assim o “Pão e Circo” paga gordos e polêmicos cachês para promover circuitos de apresentações artísticas do tipo, onde, como e quando se acha conveniente. Artistas locais, que não são convidados, não reclamam, para não perdererem a perspectiva de serem chamados em eventos futuros. A população só aplaude o show, sob o efeito de latão quente, enquanto usa banheiros químicos fedorentos.

A grande maioria dos municípios não tem Fundo Municipal de Cultura, e quando tem limita os recursos para sobrar mais dinheiro para o chamado “balcão de negócios”. Onde volumosos recursos, sem edital, atendem ao projeto que o gestor local quer, seja do seu gosto estético, seja porque o requerente é seu correligionário, ou outros motivos que não convêm agora se aprofundar. Chega-se ao absurdo de se patrocinar evento que não se realiza, de esquecer que o Estado é Laico, de locar recursos para eventos que têm fins lucrativos, para os que têm conteúdo discriminatório etc. Tudo em nome do “respeito à diversidade”.

O que me irrita é que quando propomos descentralizar, alguns gestores confundem com pulverizar realizações, argumentando priorizar o artista. A prioridade é multiplicar sua ação de produção, caindo de paraquedas, em periferias de sua jurisdição. Na prática, ficam os excluídos ávidos por inserção cultural, tratados como público alvo ou apenas plateia passiva.

Já percebi que a prioridade não é mais só brigar por recursos para a Cultura, e sim como esses recursos devem ser aplicados. Por isso devemos defender a descentralização de recursos e de decisões, a partir de Núcleos Culturais organizados.

Para plenos direitos culturais é preciso democratizar e promover a descentralização da cultura a partir dos princípios do protagonismo e do verdadeiro “empoderamento social”. O governo federal tem desenvolvido iniciativas positivas neste sentido, vários programas estão em andamento. Mas, certamente falta ao município buscar uma gestão compartilhada a partir da ação de formação de agentes públicos e comunitários de cultura em Núcleos Culturais até então esquecidos.

Daí, quem sabe, esses indicados pelos Núcleos, capacitados e atuantes, poderiam fazer a diferença em conferências e na composição dos Conselhos de Cultura. O que poderia dar novas possibilidades práticas à expressão da criatividade, rumo a uma nova dimensão às ações culturais, agora planejadas pela comunidade.

É preciso pensar a Cultura como um processo de transformação social. Não apenas como um produto artístico. Com formação e apoio técnico/material, a população organizada poderia passar de paciente a agente. Podendo decidir o quê, onde, como e quando quer que as coisas aconteçam. Assim, creio que poderemos dar passos largos na conquista dos plenos direitos culturais e no desenvolvimento Cultural.


1 Heriberto Coelho de Almeida é engenheiro civil com especialização em gerenciamento. Produtor Cultural, com mais de 27 anos de experiência e diretor fundador de “O Sebo Cultural”.
2 Frase de Kalyne Almeida, delegada da 3ª Conferência de Cultural da Capital Paraibana
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Alguns comentários:

Lau Siqueira: Excelente análise, Heriberto. Um olhar amplo, sem reducionismos inúteis nem os eternos e balofos confrontos de oposição e situação. A democracia é um aprendizado permanente. Textos assim nos iluminam para um debate permanente. Você tem razão quanto a necessidade de definirmos primeiro a forma de gastar os recursos da cultura antes mesmo de definir esses recursos. A coisa não pode ser um oba-oba. As Conferências e os Conselhos de Cultura precisam ter seus formatos redimensionados para que se tornem espaços efetivos de construção de uma política transformadora. Parabéns, companheiro! Um abraço.

Ivaldo Gomes: Concordo com sua análise Heriberto Coelho de Almeida. Da forma como as coisas caminham, tudo não tem passado de massa de manobra pra ‘legitimar’ políticas públicas ‘pela base’, que se sabe depois que não passam de manipulação de discurso e predomínio dos mesmos grupinhos culturais de sempre. É uma ‘democracia’ pra inglês ver e o que na prática não muda muito. Pois a coisa continua sendo feita na base do aparelhamento político com fins eleitoreiros e predomínio dos mesmos poderosos de plantão. E o pior, tudo isso feito na base do discurso da redemocratização da cultura, como se ela em algum momento histórico tenha sido democrática. Dai minha ausência. Não participo mais dessas coisas, pois meu talento pra macaco de auditório morreu com Chacrinha.

David Barbosa: Não deixa de ser frustrante que, a essa altura do campeonato, o que prevaleça enquanto “produto cultural” oferecido à população ainda esteja, elementar e fisiologicamente, ligado ao que decidem os gestores a partir do seu aquinhoamento político. Realmente, continua embrionária a capacidade real de ressonância das diferentes vertentes culturais no resultado final das ações conseguidas. Não quero aqui citar nomes, mas a coisa torna-se patética quando se percebe as manobras e inversões que ocorrem. Heriberto Coelho de Almeida tem toda razão em categorizar o pensamento relativo à cultura como um processo de transformação social.

Maria Aparecida Santana: EXCELENTE, MEU CARO HERIBERTO. Vamos debater tudo isso.REUNIR ESSA TURMA BOA QUE ENTENDE QUE ARTE NÃO É PÃO E CIRCO É NA VERDADE IDENTIDADE DE UM POVO E CARENTE DE QUASE TUDO FICA A MERCÊ DE GESTORES QUE MUITAS VEZES INSENCÍVEIS TRATAM O POVO E SUA CULTURA COMO MERCADORIA.

Jandy Rocha Ferrari: Parabéns Heriberto, muito bom o texto espero que os governantes acompanhem esse entendimento.

Marcos Rodrigues: Heriberto você falou tudo, parecia que estava presente em todas as pré e na conferência. Tudo isso aconteceu. Não falo de vc, mas tinha gente boa que poderia participar, mas não participou. A UFPB não participou, os professores e alunos dos diversos cursos… puxa vida. Priorizar o futuro de tudo e todos da cultura, inclusive aqueles que nem saíram da UFPB. Um lamento… Na área de livro, leitura e biblioteca… tivemos um avanço, conseguimos colocar algumas propostas interessantes. Parabéns pelo texto.

Pedro Osmar Gomes Coutinho É um bom texto reflexivo, Heriberto. E você, que acompanha o exercício ” democrático” da cultura, sabe mesmo que todas as suas colocações tem pertinência, até porque a democracia a que me refiro está sendo questionada e renovada nestes últimos anos (…)

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